Contabilidade na crise
Com isolamento e renda menor, brasileiro consome menos e foca em produtos básicos
Linguiça, embutidos, água sanitária, água mineral e frango ganharam espaço na cesta de compras do brasileiro. Itens de higienes deixam de ser prioridade.
As transformações sociais impostas pelo avanço do coronavírus fizeram com que o brasileiro mudasse seus hábitos de consumo. Depois de estocar itens de higiene para enfrentar o período de isolamento e registrar uma queda na renda com a piora econômica recente, o consumidor começou a optar por uma cesta menor e focada em produtos de necessidade do dia a dia.
Durante a primeira semana de isolamento, a cesta média de compras do brasileiro passou a incluir linguiça, embutidos, água sanitária e mineral, além de frango, mostra um estudo realizado pela Kantar. Já itens de higiene, como absorventes, desodorantes e creme dental, perderam espaço.
O período analisado pelo levantamento faz a comparação da cesta de consumo da semana de 23 de março, quando teve início o período mais severo de isolamento, com a de semana de 9 de março.
“Quando o brasileiro sentiu que a crise estava chegando no país, ele fez o seu estoque e, num primeiro momento, foram as categorias de higiene e beleza que cresceram em consumo”, afirma o diretor de serviços ao cliente e novos negócios da Kantar, David Fiss.
“O país entrou no período de isolamento, e as categorias mais básicas começaram a ganhar preferência no momento da compra.”
“Não é que o brasileiro vai deixar de comprar produtos de higiene e beleza. Depois de ter feito o estoque, ele deixou de dar prioridade para esses itens e voltou a visitar o mercadinho da vizinhança ou o supermercado perto da casa dele”, afirma Fiss.
A mudança dos itens mais comprados também foi acompanhada por uma queda no tamanho da cesta. Essa redução é explicada por dois motivos: o fim desse processo de estocagem e a diminuição da renda das famílias com a crise ficando mais severa.
A Kantar faz a apuração do tamanho da cesta em número índice – quanto maior a quantidade de itens comprados, mas alto é esse índice. Do período do pré-isolamento ao início da primeira semana do distanciamento, houve retração na quantidade itens comprados em todos os estratos da sociedade.
- O tamanho da cesta da classe da A/B recuou de 116 para 94;
- Da classe C caiu de 115 para 92
- Da classe D/E diminuiu de 103 para 86.
“Os consumidores estão tentando se adaptar. Como o dinheiro encurtou, eles não podem ficar comprando várias categorias de produtos todas as semanas e estão priorizando categorias mais básicas”, afirma Fiss.
Para mitigar os efeitos da crise, o governo tem anunciado uma série de medidas. A mais importante delas é um auxílio emergencial de R$ 600, por três meses inicialmente, para trabalhadores informais, desempregados, contribuintes individuais do INSS e Microempreendedor Individual (MEI).
Se esse auxílio alcançar, de fato, os mais pobres do país, ele pode ser fundamental para dar algum fôlego ao consumo das camadas menos abastadas.
“As classes D/E são mais sensíveis ao comportamento da renda, mas, nesse momento, podem até não enfrentar uma queda tão forte no consumo porque o governo está injetando muito dinheiro na economia”, diz Fiss.
O que esperar do consumo
Para traçar o quadro do consumo brasileiro nos próximos meses, a Kantar utilizou como base o que vem ocorrendo na Espanha, país que sofre severamente com o surto do coronavírus e também utiliza a política de distanciamento social com o objetivo de evitar a propagação da doença.
No cenário espanhol, com mais pessoas trabalhando em casa, houve um aumento do consumo das categorias que estão relacionadas com o que a consultoria chamou de “momento de lanches”. Houve, por exemplo, alta no gasto com creme de cacau, chocolate em tablete e biscoito doces e salgados.
No Brasil, esse cenário deve ser repetir. “O que aconteceu na Espanha já começa a ser uma oportunidade para o brasileiro. São coisas que devem se refletir por aqui”, afirma Fiss.
Além disso, a compra por meio de delivery deve ser uma “herança” dessa crise. Segundo a Kantar, 53% dos brasileiros que usam esse meio já realizam pedidos de duas a três vezes na semana.
“O hábito de fazer um compra de supermercado e farmácia pelo delivery começa a crescer. E as pessoas que entram nesse canal já fazem o uso dele de forma repetida”, diz Fiss.